Pablo Di Si: “Autenticidade é a principal qualidade de uma liderança”
Presidente da Volkswagen América Latina fala dos desafios de direcionar a organização e equilibrar a visão de longo prazo com as entregas imediatas
Por GIOVANNA RIATO, AB
“Quem é que vai respeitar uma liderança que diz saber de tudo?” A pergunta é de Pablo Di Si, presidente da Volkswagen na América Latina desde o fim de 2017. É assim que ele resume a necessidade de seguir curioso, aprendendo constantemente, apesar de ocupar a mais alta posição da hierarquia da fabricante de veículos alemã no Brasil.
Pablo Di Si
Esta entrevista é parte do especial Liderança do Setor Automotivo, que trará nas próximas semanas as principais conclusões da pesquisa e os comentários de grandes profissionais do segmento.
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Ainda no fim de 2019, antes da inesperada pandemia de coronavírus, o executivo falou com exclusividade a Automotive Business sobre um tema ainda mais essencial em tempos de crise: liderança. Na entrevista, ele comenta alguns resultados da pesquisa Liderança do Setor Automotivo, feita por AB em parceria com a Mandalah e com a MHD Consultoria.
Segundo ele, grandes gestores precisam ter suas ações coerentes com o discurso: “Com autenticidade as pessoas vão te respeitar ainda que não concordem com você. Este é um problema do setor automotivo: algumas lideranças têm autenticidade, outras não. O mundo fica cada vez mais político.”
Na entrevista a seguir ele fala do desafio de promover uma transformação cultural na Volkswagen, da busca por desenhar boas estratégias sem perder de vista a excelência na execução e da necessidade de desenvolver no Brasil soluções interessantes para o setor automotivo no mundo.
Segundo a pesquisa Liderança do Setor Automotivo, 93% das pessoas em posição de alta gestão nas empresas do segmento são homens e 87% são brancos. A maioria é formada em engenharia. Que leitura você faz deste perfil tão homogêneo? |
Obviamente temos um problema na indústria. Os números não mentem e, na minha avaliação, isto não acontece porque as pessoas são contra a mulher, o negro, ou o homossexual. O que falta são as políticas para incluir estas pessoas, para entregar o que estes grupos precisam no trabalho, as coisas que permitem que todos se sintam à vontade em estar na empresa.
No ano passado, por exemplo, nos programas de trainees começamos a contratar mais de 50% de mulheres. Foi a primeira vez em que selecionamos um grupo composto em 55% por mulheres e em 45% por homens. Eu acho que essa parte é a mais fácil. A mais difícil é mantê-las porque elas só ficarão na Volkswagen se estiverem confortáveis no ambiente de trabalho predominantemente branco de meia idade.
Muitos estudos apontam que empresas mais diversas têm também performance melhor. A sua experiência reflete isso? |
Com certeza. Na Volkswagen temos muitas mulheres, negros e homossexuais. Muitas pessoas têm medo de se mostrarem, mas incentivo todo mundo a se posicionar e se sentir confortável na Volkswagen. As pessoas precisar ter orgulho de ser quem são.
Para o lançamento de um carro, reunimos representantes de concessionárias, agência de publicidade e funcionários da Volkswagen em um grupo muito diverso de discussão. Estas pessoas que não necessariamente têm intimidade com a nossa indústria, muitas vezes nos ajudam a abrir a mente ao dar sugestões valiosas. Então, sim, a diversidade adiciona valor à nossa empresa.
Na pesquisa pedimos para as lideranças indicarem quais palavras descrevem o atual momento da indústria automotiva. A maioria apontou que o setor passa por uma transformação. Na sua visão, qual palavra descreve este momento? |
Hoje estamos passando por um momento-chave, um antes e depois da nossa indústria. Sempre falo que nós temos a sorte de estar trabalhando aqui e agora. O carro é praticamente a mesma coisa há muitas décadas. Evoluímos em qualidade, segurança e emissões, mas nunca tivemos um período tão grande de mudança do modelo de negócio, de outras indústrias entrarem no setor automotivo, de transformação do pensamento e da necessidade de gerar outras receitas para não desaparecer.
Este modelo gera incertezas e dúvidas, mas sou otimista. É preciso assumir que faremos algumas coisas corretas e que vamos errar em outras. Esse nosso hábito de ter que acertar sempre muda agora. Precisamos de outro modelo mental. |
Em um contexto de abertura comercial do setor automotivo no Brasil, a maioria das lideranças entende que o país seguirá como protagonista apenas de alguns projetos locais, sem grande influência no desenvolvimento de novas soluções globais. Você concorda? |
Vou fazer uma analogia do futebol: quando você está com 10kg a mais e pretende jogar contra o Barcelona, o Liverpool ou o Bayer, é bom que você treine, perca um pouco de peso e se prepare para jogar contra clubes preparados. Nós, como empresas, desejamos o mercado aberto, livre, mas fazer isso de um dia para outro não é uma solução recomendável para o Brasil porque temos muitas ineficiências.
Essas mudanças que temos discutido como previdência, reforma tributária e reforma administrativa precisam estar prontas em um período de 5 a 10 anos – o que não vai ser fácil. Precisamos ficar mais leves e não podemos continuar exportando impostos e ineficiência. Quando nós olhamos o mundo Volkswagen, do ponto de vista de eficiência de nossas fábricas, estamos com o Brasil entre os mais eficientes, mas depois você começa a agregar IPI, PIS COFINS, o ISMS e todo este conjunto traz ineficiência quando comparamos com países como Alemanha, Inglaterra ou França que não têm toda essa burocracia.
O setor automotivo tem o desafio de manter a relevância e fazer entregas no contexto da nova mobilidade. Desse ponto de vista, qual você acha que pode ser a grande contribuição do Brasil globalmente? Qual competência temos a oferecer? |
Olha, estou na contramão do que responderam na pesquisa (que o Brasil só será polo de desenvolvimento de soluções locais). Há casos recentes na Volkswagen em que exportamos soluções que desenvolvemos localmente, como as concessionárias digitalizadas e sitemas de infoentretenimento para os carros.
O profissional brasileiro é muito capacitado. As tantas dificuldades que existem aqui levam as pessoas a serem mais rápidas, criativas e trabalhadoras. Somar estas coisas com o foco em projetos bem estruturados, geram bons resultados. |
O Brasil também tem um histórico de pesquisa e desenvolvimento com motores flex que não pode ser jogado fora. Nos próximos anos, a maioria do mundo vai migrar para as propulsões alternativas. Se não fizermos nada para acompanhar, ficaremos fora do jogo. Precisamos mudar estrategicamente de direção.
Os desafios entendidos pelas lideranças ainda estão muito ligados ao curto prazo. O que impede empresas automotivas de terem equilíbrio melhor entre curto e longo prazo? |
Primeiro precisamos ter uma visão macro para depois olhar o micro. Há três anos a Volkswagen montou uma estratégia de longo prazo que envolve tanto veículos a combustão, quanto elétricos e serviços. É algo sólido, mas que pode mudar e se adaptar.
Entendo que é essencial ter uma estratégia, mas o desafio real é a execução – se ela não for bem feita, a estratégia vai ser questionada. Colocando em números, estamos investindo no Brasil R$ 7 bi em uma estratégia fantástica e o acionista espera um retorno sobre isso, que é a execução. |
E como garantir a boa execução? |
No Brasil, o grande desafio é a complexidade porque você acorda um dia e aparecem oito leões para matar. Nós executivos muitas vezes somos consumidos no dia a dia. Para evitar que isso aconteça, é essencial ter um bom time de gestão, uma primeira e segunda linha fortes para que os problemas sejam resolvidos mais próximos da ponta. Precisamos evitar que todas as questões terminem na mesa da diretoria. Este é um problema cultural.
Na Volkswagen estamos longe de ser uma empresa perfeita, mas desde o dia em que cheguei aqui tenho trabalhado nessa transformação cultural. As pessoas precisam ter senso de urgência e entender que trabalham em uma empresa que tem de gerar resultados para poder garantir empregos e pagar impostos. A liderança precisa ter estabilidade mental para lidar com isso, senão pode deixar de ser saudável.
Volkswagen
Como fazer as pessoas sentirem esse pertencimento dentro de uma multinacional como a Volkswagen? |
As pessoas se motivam, geralmente, quando têm autonomia. Então precisamos dar autonomia para que elas se sintam responsáveis por entregar resultados.
Segundo a pesquisa, a maior parte da liderança sente estar bem preparada para entregar bons resultados neste momento. Você concorda? Como manter relevância intelectual para liderar em um negócio em transformação? |
É preciso ser curioso. No momento que você acha que já sabe o suficiente, acabou. Tem várias formas de aprender e, do ponto de vista formal, a cada dois anos vou fazer um curso fora do Brasil. Já informalmente, aprendo o tempo todo: quando visito uma concessionária, converso com jornalistas ou faço outras atividades do meu dia a dia.
Estive em Pernambuco pouco tempo atrás e percebi como as pessoas pensam diferente. Só de ouvir eles, consegui ver ter outra visão sobre mobilidade, renda e trabalho. Cada conversa é um aprendizado que serve para a vida profissional.
Essa liderança que acha que sabe de tudo já acabou. Quem é que vai respeitar um cara que diz saber de tudo? |
Os respondentes da pesquisa disseram que a principal característica de uma boa liderança é empatia. Você concorda?
Acho que a palavra mais importante é autenticidade porque não existe um líder igual ao outro. Para mim, ser autêntico é mais importante do que ser inteligente, do que ter carisma. É preciso falar e agir de acordo. Com autenticidade as pessoas vão te respeitar ainda que não concordem com você. Este é um problema do setor automotivo: algumas lideranças têm autenticidade, outras não. O mundo fica cada vez mais político.
O conceito de Candura Radical aponta que a boa liderança é capaz de alcançar o equilíbrio entre desafiar as pessoas da equipe e, ao mesmo tempo, ser empático e importar-se pessoalmente com cada colaborador. Esta é uma preocupação para você? |
Para mim é uma trajetória difícil. Sou uma pessoa apaixonada, muito para cima. Quando comecei a minha carreira era bruto, muito mais duro. Com o tempo fui mudando e tentando equilibrar. Alguns dias eu consigo, em outros não.
Meu desafio diário é levar a pessoa até o máximo que ela consegue entregar. Às vezes passo um pouquinho e, quando isso acontece, peço desculpas. Mais tarde, quando estas pessoas olharem para trás, quero que percebam que valeu a pena. |
Entre uma série de assuntos indicados no estudo, inovação aparece como a prioridade para os entrevistados. Ainda assim, temas como diversidade, engajamento dos colaboradores e fortalecimento cultural, que têm forte intersecção com inovação, têm baixa relevância para a liderança. Na sua análise, o que provoca esta percepção distorcida? |
A maior parte das pessoas são sufocadas pelo dia a dia. Para mim, a transformação cultural da Volkswagen é prioridade. Porque se você não muda a cultura, não consegue avançar em nenhum desses outros temas. Dos meus maiores desafios, o primeiro é a transformação cultural, o segundo é inovação e novos produtos, o terceiro é simplificar a burocracia, o quarto é a conexão com o steakholders internos e externos e o quinto é a sustentabilidade financeira do negócio.
Não consigo fazer nada disso sem a transformação cultural, que é onde está a diversidade, o compliance, o treinamento de lideranças e uma série de outros aspectos.
Nesta edição da pesquisa, 36% dos entrevistados disseram que a companhia em que trabalham tem um propósito definido, claro e capaz de orientar as estratégias. Como a Volkswagen tem trabalhado este aspecto? |
O nosso propósito é ser a empresa líder em mobilidade sustentável. Mas no fim do dia, esse é o guarda-chuva e dentro disso você tem uma série de estratégias alinhadas a este objetivo. Muitas vezes as pessoas não fazem a conexão entre o macro e o micro e ficam perdidas no dia a dia. A empresa ter um propósito, um objetivo e uma comunicação eficiente disso é importante. E se eu não acreditasse pessoalmente nesse propósito, estaria na organização errada. Entendo que este é o caminho certo.